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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Vejam só

Apagaram-se as luzes. O picadeiro da minha vida está silencioso. Eu vejo risos, alegria e faço uma multidão rir. Coloco cores no rosto e levo essas mesmas cores para dentro da vida de tantas outras pessoas. Mas aqui dentro? Aqui dentro não há cor, não há vida. O palhaço tira a máscara, limpa o rosto. Chora a lágrima sobre a boca que acabou de fingir um sorriso. Meu picadeiro está vazio. Não posso ouvir nada. Não posso sentir nada. Nem meu coração, o velho coração insistente, eu consigo ouvir mais. Ensurdeci, emudeci, empalideci. As cortinas que teimam em se abrir anunciando um novo espetáculo, só me obrigam a segurá-las cada vez mais forte. Não quero um novo um começo porque, tão pouco, quero um novo fim. Já encerrei minha participação na novela, no teatro da vida e agora quero minha merecida paz, meu descanso. As roupas coloridas já ficaram pelo chão. Junto delas deixo tudo: agonia, solidão, rancor. Visto preto, visto branco. Visto meu luto e minha paz. Não resta mais tinta, não restam mais sons, não resta mais nada. Só um picadeiro vazio e um palhaço esquecido pelo tempo que já não ri, que já não chora, que já não sente...

Ah, o mundo sempre foi
Um circo sem igual
Onde todos representam bem ou mal
Onde a farsa de um palhaço é natural
(Sonhos de um palhaço - Antônio Marcos)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Inside

Enquanto olhava o trânsito lá fora, via a sua vida passando através da vidraça embaçada. Relembrava cada segundo que vivera nos últimos meses e tentava analisá-los friamente. Em vão. Tentava segurar o choro e controlar a enchente de sentimentos que aquela simples ação trazia. Hora sentia vontade de rir, hora de gritar e, talvez, em alguns momentos tenha chegado a pensar em sucumbir. Era dor demais, medo demais, solidão demais. Ela não sabia lidar muito bem com aquilo. Nem sabia da onde vinha e como tinha acontecido.

Balançava os pés descalços tocando a parede hora ou outra e recostava-se no vidro sujo enquanto se enroscava na cortina pesada daquele quarto de hotel. Ponderava os pensamentos e tentava fazer de todas aquelas passagens algo um pouco mais racional. Precisava separar sentimento e razão antes que enlouquecesse.

Olhava para baixo como quem pede ajuda. Sabe-se lá o que se passava na cabeça dela naquele momento. Quem arriscaria dizer que ela não poderia se jogar? Era um modo simples de acabar com tanta angústia e tantas ideias que insistiam em perturbá-la.

Ela não tinha certeza de há quanto estava ali naquele estado inerte. Era um momento dela com ela mesma e ela tinha medo de rompê-lo. Tão assustador e, ao mesmo tempo, tão tranquilizante. Sentia apenas os minutos se arrastando, o silêncio cortante e o mundo se movendo lentamente do outro lado do vidro. Longe, em um universo quase paralelo.

Ela estava vivendo em seu mundo. Cuidava de si sem perceber. Recarregava as energias e colocava a alma em ordem. Tinha acabado de descobrir o remédio para suas inquetações e nem se dera conta disso.

sábado, 23 de outubro de 2010

I should've known

Talvez eu não tivesse motivos tangíveis para me decepcionar, mas eu tinha alguns um pouco mais profundos do que a maioria das pessoas seria capaz de entender. Não esperava que fosse acontecer dessa forma. Eu não esperava mesmo que ele fosse assim. Toda a imagem e todas as opiniões que eu tinha dele e, sobre ele, desapareceram como em um passe de mágica. De alguém especial e diferente dos outros, passou a ser tão comum quanto qualquer um outro. A aura mágica que o envolvia se dissolveu. O brilho que eu enxergava naqueles olhos negros se apagou e o fogo que o sorriso dele despertava em mim, milagrosamente, congelou. O príncipe encantado passou a ser o lobo mau do meu conto de fadas. E é ai, ai que está a minha decepção: esse tal príncipe nunca existiu. Fui eu, somente eu quem transformou um garoto como outro qualquer em aquele sem muita explicação. Idealizei um alguém perfeito, um alguém invencível, indestrutível e livre de qualquer defeito. Coloquei nele uma máscara e esqueci de tirar. É duro admitir, mas aquele ser imaginado me agradava, talvez mais do que o verdadeiro que eu mal conhecia....

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Me olha

Hoje ele não me viu! Quer dizer, ele me viu, mas não me olhou. Na verdade eu acho que ele até olhou, mas tenho certeza que não conseguiu enxergar. Ele nunca enxerga! Ele vê, ele olha, mas não enxerga. Não consegue perceber o que é tão obviamente claro. Nem que eu apareça em um carro alegórico, com uma melancia na cabeça, ele vai enxergar. A atitude vai ser a mesma: vai abrir aquele sorriso largo, me colocar em seu abraço, dizer que está com saudade e pronto. Acabou. Ele simplesmente não consegue separar a verdade - a minha verdade - das brincadeiras - nossas brincadeiras. Tenho para mim que isso acontece porque eu não sou a verdade dele. Na verdade, eu nem sei o que eu sou para ele. Só sei que ele me vê como vê a tantas outras enquanto eu queria que ele me enxergasse como a única.

Com você
Só resta sonhar
Em te ter...
(Só resta sonhar - Carol Cabrino)

domingo, 17 de outubro de 2010

Você pode?

Você pode sentir falta do que você nunca teve? Falta daquele beijo apaixonado, daquele carinho especial, daquele olhar que faz você ter certeza que o mundo parou de girar e só restam vocês dois ali. Você pode desejar repetir aquela cena que nunca viveu? Desejar aquela cena que sua mente criou e repassou uma centena de vezes. Desejar estar sozinha com ele naquele quarto e amá-lo intensamente como se não fosse haver um amanhã. Você pode lutar por algo que não faz sentido? Não tem sentido se o objeto de tanta luta não faz questão dessa briga. Sentido algum em querer... Você pode desistir dos seus sonhos fácil assim? Eu não!

There will never come a day,
you'll ever hear me say that I want,
and need to be without you.
(Never felt this way - Brian McKnight)


sábado, 9 de outubro de 2010

Alérgico ao amor

As fotos já foram tiradas do mural e agora são só pedaços de papel espalhados pelo chão do quarto. Iluminadas pela fraca luz que vem da janela elas não são nada além de meras lembranças que, por mais que eu tente, não consigo apagar. Um dia elas foram sorrisos, beijos, abraços, corações unidos por um mesmo sentimento. Hoje, não passam de um borrão disforme de tudo aquilo que quiseram ser. Sentada ali, encostada à parede gelada com os olhos inchados eu tento entender o que houve. Tento traduzir para o meu coração o que ele se recusa a entender, mas falho. Falho de novo como eu sempre falhei. Não correr riscos, era só isso que eu queria. Não me machucar também era uma condição. Mas de que adiantou tanto cuidado se no fim foi exatamente isso o que consegui? Me protegi tanto de você que acabei esquecendo de me proteger de mim. Alimentei sozinha esse sentimento que nasceu assim, com essas fotos que eu não quero mais ver. E enquanto eu choro aqui, você está longe. Tão longe que já não posso pedir para voltar atrás. Longe o bastante para não ouvir enquanto eu solto o grito que deixei preso na garganta por tanto tempo: eu sempre amei você!

Mientras avanza el dolor un kilometro más
Yo me quedo y tu te vas
(Alérgico - Anahí)